Veja: Óleo dos Deuses
Gastronomia
O óleo dos deuses
Se você acha que azeite é simples tempero para salada,
não sabe o que está perdendo. O tipo extravirgem é uma
iguaria que ganha a mesa dos brasileiros.
A mitologia reserva um belo capítulo ao nascimento da oliveira, cujo fruto, a azeitona, era uma das bases da economia grega na Antiguidade. Poseidon, o deus dos mares, e Atena, a deusa da sabedoria, disputavam a guarda de uma cidade prestes a ser fundada. Para encerrar a contenda, Zeus, o maior dos deuses, resolveu que a cidade seria consagrada a quem apresentasse a invenção mais proveitosa a seus habitantes. Poseidon criou o cavalo – animal útil para o transporte e a agricultura. Atena fez brotar a oliveira – uma árvore de aparência frágil, mas capaz de render frutos valiosos, que alimentam e curam. Zeus ficou tão maravilhado com a invenção da deusa que batizou a nova cidade de Atenas. O cavalo pode ter sido injustiçado de uma perspectiva mais ampla, mas é preciso reconhecer que, trinta séculos depois, os frutos das 700 espécies de oliveira são apreciados para muito além das margens do Mediterrâneo. Em especial, o seu sumo: o azeite. Metade da produção mundial de 3 milhões de toneladas é extravirgem, de primeiríssima qualidade. É esse tipo que vem ganhando o paladar dos brasileiros. Hoje, 40% das 32.000 toneladas de azeite consumidas no país são de denominação extravirgem. Há apenas cinco anos, essa proporção era de 20%.
O azeite extravirgem é o óleo extraí-do da primeira prensa das azeitonas. Ou seja, quando elas ainda não sofreram maiores manipulações. O resultado é um azeite mais nutritivo e menos ácido – e muito, muito mais saboroso (veja o quadro abaixo). O outro tipo de azeite é o virgem, produzido a partir do bagaço da azeitona – a que já foi utilizada na fabricação do extravirgem. Os produtos de primeira linha começaram a ganhar mercado no fim dos anos 90, quando apareceram os primeiros estudos sobre as vantagens para a saúde do azeite extravirgem. Como mantêm suas propriedades preservadas, os extravirgens são ricos em substâncias antienvelhecimento (vitamina E e polifenóis) e protetoras do sistema cardiovascular. "Uma das mais poderosas é o ácido oléico, que ajuda a manter as artérias livres do colesterol ruim", diz o cardiologista e nutrólogo Daniel Magnoni, do Hospital do Coração, em São Paulo.
Óleo de fígado de bacalhau também é ótimo para a saúde. Não é por fazer bem ao organismo que o azeite ganha espaço à mesa. É porque é realmente um excelente tempero. Basta uma colher de azeite para transformar mesmo um peixe sensaborão como o linguado num prato – dos deuses. Há quem até faça degustação do óleo magnífico. Em São Paulo, a Oliviers & Co., filial brasileira da maior loja francesa especializada em azeites, promove uma sessão de degustação por mês. No ano passado, era uma por trimestre, no máximo. O degustador desembolsa 60 reais para passar de quarenta minutos a uma hora provando cinco amostras. Entre os azeites mais procurados (para horror dos puristas), estão os aromatizados com manjericão, pimenta ou limão siciliano. A mistura também pode ser com trufas brancas ou pretas. Cem mililitros (meia xícara) dessa iguaria custam 76 reais – um preço à altura do Olimpo.
Como Escolher :
ACIDEZ
Indica o grau de preservação da azeitona durante a elaboração do azeite. Quanto mais baixa a acidez, melhor o produto. Os azeites virgens tem até 1,5% de acidez. Os extravirgens, até 1%.
COR E SABOR
Quem prefere azeites mais suaves deve dar preferência aos produtos de tonalidade mais clara. Os azeites mais escuros costumam ter sabor mais acentuado.
EMBALAGEM
As embalagens de lata ou vidro escuro protegem melhor o azeite da ação oxidante da luz.
Fonte : Marcus Pimentel, especialista em azeites.
"Rançoso, mas delicioso"
Aos 43 anos, a engenheira química portuguesa Paula Lopes alcançou um posto de relevo em sua carreira. Recentemente, ela entrou para o seleto Painel de Provadores de Azeite de Portugal. Cabe a Paula e outros sete degustadores atestar a qualidade dos azeites portugueses. Responsável pelos sabores dos azeites Gallo, ela trabalha na pequena cidade de Abrantes, na região central de Portugal. Paula, que esteve no Brasil para coordenar cursos de degustação, falou a VEJA.
Como é o ritual de degustação do azeite?
A melhor maneira é usar o pão branco – sem tempero algum, nem mesmo sal. Entre as provas, deve-se comer uma fatia de maçã para os sabores não serem confundidos na boca. Para os leigos, o ideal é provar no máximo cinco variedades de azeite. Acima dessa quantidade, torna-se mais difícil diferenciar as sutilezas de sabores.
Como é a sua rotina de degustadora?
Provo diariamente cerca de vinte amostras de azeite. Todos os anos, além dos produtores portugueses, eu visito os principais países plantadores de azeitonas: Itália, Espanha, Grécia e Tunísia. Nessas viagens, coleto as amostras de azeite que serão utilizadas em nossos produtos.
A matéria-prima de um mesmo azeite pode vir de outros lugares além de seu país de origem?
Um bom azeite tem, em média, 80% de matéria-prima do país de origem. A maioria dos produtos contém de seis a dez tipos de azeitona. Os melhores produtores da azeitona verdeal, por exemplo, a que dá o toque picante do produto, estão tanto no Alentejo como no sul da Espanha. No mundo, são cerca de 700 espécies de azeitona, que, combinadas, podem dar milhares de variedades de azeite.
Há bons azeites fora da Europa?
Não. Os melhores azeites são produzidos na bacia do Mediterrâneo. Uma conjunção de fatores naturais propicia isso: o solo é argiloso e rico em nutrientes essenciais para o desenvolvimento da azeitona, como zinco, boro e magnésio. O clima temperado, por sua vez, é uma dádiva. Durante o calor intenso do verão, formam-se as bolsinhas de gordura nas azeitonas, que darão o azeite. Durante o frio forte do inverno, essas bolsinhas param de crescer. Isso é necessário para que se preservem as vitaminas, o sabor e o aroma do sumo.
Seu avô tinha uma produção caseira de azeites, em Abrantes. Você tem boas lembranças do produto fabricado por ele?
Passei a infância e a juventude consumindo o que ele produzia. Para festejar a primeira colheita do ano, minha família se reunia e nós devorávamos pão torrado com muito azeite. O azeite do meu avô, como ocorre com qualquer produção caseira, era oxidado – ficava demasiadamente exposto à luz durante o processo de elaboração. Só me dei conta de que aquele azeite não era de tão boa qualidade aos 28 anos, quando passei a trabalhar com produtos extremamente controlados. Mas a boa lembrança do delicioso azeite rançoso do meu avô jamais sairá de minha memória.
Fonte : Revista Veja - edicão 2089 - 3 de Dezembro de 2008.
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