Durante os anos negros da ocupação nazista na França, muitos franceses fizeram de tudo para proteger as suas vidas e o seu país. Uns alistaram-se em exércitos estrangeiros, outros optaram pela clandestinidade da “resistência francesa”. Mas nem sempre a resistência dos franceses aos alemães significou empunhar armas. Durante boa parte da Segunda Guerra Mundial, diversos vinicultores elaboraram todo tipo de estratégia para a proteger aquilo que era o seu mais preciso bem e um dos maiores patrimônios da França: o vinho. Essa história de bravura e coragem rendeu episódios extremamente curiosos. Na região de Champagne, por exemplo, os produtores engarrafavam seus piores vinhos e colavam nas garrafas os melhores rótulos, enganando perfeitamente os soldados alemães durante a coleta da bebida. Outros, arriscavam-se a noite e furavam os barris de vinho antes deles partirem rumo a Berlim. Para os oficiais alemães no Reich era um mistério o fato de tantos barris chegarem totalmente vazios ao seu destino. Em outros casos, alguns barris, também vazios, continuavam a servir à
França, mas desta vez, escondendo combatentes franceses. Isso, sem falar nas paredes falsas que se multiplicaram nas caves de todo a França para esconder os melhores vinhos dos nazistas. Por todo o país, muitos estiveram empenhados num tipo especial de resistência, uma militância que visava proteger aquilo que era o símbolo da economia francesa e uma das maiores paixões dos franceses. Mas essa é apenas uma das histórias que compõem a saga de uma das bebidas mais famosas da história dos homens.
O vinho é uma daquelas invenções que desafiam a contagem do tempo, desafio qualquer lógica da memória. Assim como outras invenções, como a roda, não é possível dizer com precisão quando um despretensioso cacho de uvas tornou-se um vinho. Mas o vinho está em toda a parte, desde onde se é possível ter relatos. E não se importa o tipo de relato. Na Bíblia, livro santo para os cristãos, o vinho é fartamente citado, símbolo da graça divina ao ser multiplicado por Jesus. Já na cultura grega, o vinho está associada a figura mítica de Dionísio, aos ciclos vitais, as festas. Um dos muitos significados do Festival de Dionísio em Atenas versa sobre um grande dilúvio provocado por Zeus (Jupter) e do qual apenas um casal teria sobrevivido. Seus filhos eram: Orestheus, que teria plantado a primeira vinha; Amphictyon, de quem Dionísio era amigo e ensinou sobre vinho; e Helena, a primogênita, de cujo que nome a outra denominação da cultura grega.
Passados os gregos, o vinho seguiu a sua trajetória, da antiguidade passando para o mundo medieval e deste para a modernidade. Quem se lembra dos tempos de Ensino Médio recorda, por exemplo, do famoso "Tratado de Methuen", também conhecido como Tratado dos Panos e Vinhos, assinado entre a Grã-Bretanha e Portugal, em 27 de janeiro de 1703. Segundo esse Tratado, os portugueses se comprometiam a consumir os têxteis britânicos e estes, em contrapartida, consumiriam os vinhos portugueses. Não era um acordo exatamente justo, especialmente para os lusitanos, mas os britânicos não se queixaram muito de ter pleno acesso à bebida produzida em solo ibérico.
Para as sociedades que cultivam o vinho, a bebida é mais do que uma mera produção para a subsistência, mas uma tradição milenar e cultural que confere identidade, que dá significado a própria vida. Em muitas comunidades ainda hoje é possível ver a forma tradicional de se fazer vinho. Os trabalhadores acordam cedo e seguem para o campo. Examinam as videiras, buscam por doenças e as amarram em brotos, que se desprendem um a um pouco tempo depois. Cuidam do solo, rezam para que o clima ajude na colheita. Após a colheita, esmagam as uvas com os pés descalços. O mosto, ou suco de uva, segue para tanques enormes. Depois disso, começa o processo de fermentação e a paciência de espera, até que a bebida esteja pronta para o consumo. A colheita é uma época feliz.
Para celebrar o momento da colheita, algumas cidades também continuam celebrando como no passado. Organizam-se grandes festa públicas. Nelas, os produtores dividem com a população local uma parte da produção, mesmo sem o processo de fermentação ter sido concluído. Mas todos bebem felizmente o vinho pelas ruas. É a tradição que continua valendo por ali.
O vinho, portanto, é bebida que respira história. Em tempos de paz, em tempos de guerra, poucos produtos culturais foram tão valorizados e cultivados como parte de algo que transcende o tempo e a memória.
Fonte: Café História
Comentários