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John Harington queria entrar para a história como escritor. A posteridade, contudo, reservou-lhe outro papel
http://super.abril.com.br/superarquivo/2007/conteudo_494102.shtml
Texto Álvaro Oppermann
Numa tarde de 1586, num castelo de Greenwich, perto de Londres, John Harington estava entusiasmado. Iria finalmente apresentar, perante a rainha Elizabeth 1ª e membros seletos da corte, trechos da sua tradução de Orlando Furioso, um poema do italiano Ludovico Ariosto (hoje em dia só lido por doutores em literatura, mas que na época era tão popular quanto Paulo Coelho). As belas jovens da nobreza suspiravam pelo boa-pinta John, de 21 anos. Até mesmo a temida rainha tinha simpatia pelo rapaz. Dos seus 102 afilhados – Elizabeth, a “rainha virgem”, não era casada e não tinha filhos –, Harington era o preferido.
O bom clima foi para o beleléu assim que John começou a desfilar os versos do Canto 28 do longo poema – canto de carga erótica acentuada – as jovens ruborizaram. Muitas mães tiraram as filhas da sala. A rainha, apesar da expressão facial de cera, fuzilou o rapaz com o olhar. “Eu não quero mais esse fedelho na corte”, teria dito depois. Para piorar, os comentários à boca pequena eram que a tradução de John estava sofrível. Para qualquer mortal, esse teria sido o fim de carreira, mas não para o cara-de-pau John. Viajou para a Europa, encantando as mocinhas das cortes italianas e austríacas. Continuou cometendo os seus versos de mau poeta e traduções fracas. Depois voltou para a Inglaterra, casou, teve 15 filhos e conduziu uma vida que parecia ser fadada à insignificância. Em 1596, porém, num momento de ócio na propriedade rural de sua família, começou a desenhar, com a ajuda do secretário particular, uma geringonça mecânica para a eliminação de dejetos humanos. Em 2 ou 3 dias de intensa labuta, criou a privada (um modelo bem rudimentar dela, diga-se a verdade). Ao tomar conhecimento da invenção, a rainha Elizabeth, encantada, encomendou um modelo – o que fez o esperto John enxergar uma chance de voltar aos salões da nobreza. Sua alegria, contudo, durou pouco.
Incorrigível, John escreveu um poema satírico (e medíocre) em que ironizava impiedosamente diversos nobres – e chutava o pau da barraca, com referências jocosas à rotina de evacuação intestinal da própria rainha. Foi o fim. Nem a privada salvou John Harington, que morreu no ostracismo aos 51 anos, em 1616. • Inventar a privada ajudou John a virar sir, em 1599. De volta às boas na corte, foi convocado para uma missão militar. Nela, não fez muita coisa, mas ganhou o título.
• Alguns historiadores enfezados dizem que atribuir a John a invenção da privada é como dizer que Leonardo da Vinci criou o helicóptero (ambos teriam sido pioneiros teóricos). Injustiça: o WC de John funcionava. A patente do toalete moderno, contudo, é de 1775, de um certo Alexander Cummings.
• Uma gíria inglesa perpetuou Harington: john, eufemismo para privada, foi usado em sua homenagem – dizem alguns historiadores.
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